quinta-feira, 5 de junho de 2008

Perfil: O Microfone e suas histórias


Um senhor, com seus 80 e poucos anos, se destacava em meio à agitação do centro comercial. Estava sentado perto a seu box de bebidas, lendo calmamente o seu jornal diário e tomando seu cafezinho aos poucos. O dia começava para ele no mercado. Com seu chapéu branco, braços postos para trás e um olhar observador, a figura de Abdénago de Souza Leite parecia comandar o que estava ao seu redor, cuidando do que ele diz ser a sua vida, o Mercado de São José.

Passou a ser conhecido como Microfone, apelido dado por amigos por conta da sua característica mais aparente: falar muito. Nascido em Ponta de Pedra, interior de Pernambuco, ele chegou ao Recife, em 1936, de caminhão. Seu pai recebeu uma proposta de trabalho na cidade e resolveu trazer toda a família. Eram ao todo 15 irmãos. “Cheguei aqui e fiquei deslumbrado com a cidade”.

Tentou prestar vestibular para agronomia, mas não passou. “O que me botou pra fora foi a química orgânica”. E no ano de 1945, entrou para o exército. Teria seguido carreira se não fosse o problema do olho direito: não enxerga. Foi por volta dos seus 30 anos que se tornou locatário. Chegava às 4h e só fechava quando o último cliente pagasse a conta.

Nostálgico, mas sempre alegre, relembra a época que o comércio do local era referencial para o Recife. Acredita que por conta das construções de shoppings e outros lugares comerciais, o Mercado perdeu sua prioridade na cidade no ramo de vendas. “Preferia o tempo dos anos 60, o clima era ameno e organizado. Às vezes dava para eu ir com minha mulher à praia de Boa Viagem”. Atualmente, ele não trabalha mais. Teve que parar de atender aos clientes por deixar de ouvir os pedidos.

Um exímio contador de histórias, Microfone relata o episódio da morena dos anos 40, para quem compôs uma letra de música. Uma mulher que havia chamado sua atenção, mas que não dava a mínima intenção de corresponder aos seus galanteios. Depois de 30 anos, ele a reencontrou. Estava mais estabilizado financeiramente e ela parecia saber disso. Tentou reaproximar-se dele. Foi quando escreveu a música Mulher Pudica, uma composição que fala de uma jovem que antes era virtuosa e difícil de se conquistar, mas por conta dessa dificuldade prolongada, os anos passaram rápidos e injustos para com sua aparência. De vez em quando, eles se encontram, mas ele afirma: “Hoje ela me quer, mas quem não quer mais sou eu”.

Suas poesias e composições foram além do que o próprio poeta imaginava. Um grupo feito por seis pessoas forma a ‘Sociedade dos Amigos do Microfone’ e o intuito desse pessoal é promover os trabalhos do compositor. Formada há oito meses, essa associação de amigos produziu, neste ano, seu primeiro carnaval, o ‘Tocando flauta no Microfone’. A dimensão do evento foi tão grande no mercado, que a Empetur mandou prensar 500 camisas do bloco para comercializar. “Fiquei muito contente, porque encheu de gente”. O entrevistado também comenta do interesse do apresentador do ‘Sopa Diário’ e produtor cultural, Roger de Renor, em repaginar suas composições, para que mais adiante possa se fazer uma exposição maior delas.

A sua popularidade ultrapassou o Mercado de São José. No programa ‘Brasil Legal’, da Rede Globo, o comerciante atuou como cicerone para a apresentadora Regina Casé. A oportunidade surgiu depois que o então cantor da banda Nação Zumbi, Chico Science, recusou o convite de guiar a produção pelo centro da cidade, por ser oferecido uma quantia menor da que ele solicitava. Entrou em cena o homem que ‘fala demais’, como foi chamado por Regina e ficou conhecido nacionalmente. Quanto a esse caso, ele descreve um episódio com ar de risos: a apresentadora o chamou para navegar em um iate, porém o que ela não sabia era que ele sentia enjôos. Um médico foi chamado para resolver o problema. Deram-no um medicamento e um copo de água. “Perguntei a ela o que era aquele remédio. Regina riu e disse que era um comprimido para mulheres grávidas. Eu disse: ‘Eita, danousse!’ e todo mundo caiu na gargalhada”.

Pai de três mulheres e um homem, e com cinco netos. Microfone, já viúvo há 13 anos, diz que a função do ser humano e cuidar e orientar os filhos, e que para ele esta missão está cumprida. Se sente satisfeito com a vida, mas gostaria de ter tido mais oportunidades. O Mercado de São José para ele representa a sua história. É nele que o senhor de 83 anos ganha ânimo e coragem pra viver. “Se não vier pra cá fico doente. Aqui eu gosto de brincar, conversar. As horas passam mais rápido”.

Com a imagem de Nossa Senhora da Conceição escondida em cima do seu box, ele transmite a paixão por viver e é agradecido à santa por isso. Merecidamente, os créditos de um homem que tem o prazer em ser simpático, de falar com todo mundo, de saber ouvir, de pedir desculpas por falar demais, são dados quando o ouvinte da alegria do Microfone sorri com seus dizeres. E ele termina a entrevista.“Desculpe a irreverência”.

13 comentários:

Tragicomicuzinho disse...

é sempre bom, conhecer essas figuras regionais!!

o brasil eh cheio delas.


bjo

Marcio Sarge disse...

Oi moça. Que prazer te-la de volta lá pelos lados do Sarge, é claro que entendo quanto a faculdade essa vida de adulto é doze mesmo.

Adorei a leitura e de ter "conhecido" o Microfone, figura interessante.
Incrível que me deu aquela sensação de nostalgia como se fosse minha vida que estivesse sendo contada. Isso me leva a acreditar cada vez mais que temos que aproveitar o máximo a vida que temos, o tempo tira tudo da gente no final.

É uma pena que não esteja encontrando tempo pra escrever rsr.

Bjs e até mais.

Anônimo disse...

eiii o blog tá bakna!
passa lá no meu depois viu!?
abração!

Livia Queiroz disse...

eheh
post grande hein??
mas gostei mto...

vou voltar pra ler os outros posts, perecem tão interessantes qnto esse...

FALTA MULHERES NO CURSO DE EXATAS.
falta mesmo, na minha turma eram 4 no começo e só uma ta ateh hj (mas n sou eu!kkkk)

Livia Queiroz disse...

brigada pelo comentario!

Pois eh neh??
A "Ela" ganhou um post, fazer o q?
ELA eh o meu carmaaaa!
rsrs


bj*.*

Anônimo disse...

Hummm...essa tem gostinho especial, porque teve uma "pequena" colaboração de alguém bacana sabe?!
Mas quem será???
hihihihi...

Muito bom Nanda!!!

bjooo

Anônimo disse...

Melhor post do blog até agora! E olha que gostei muito de todos. Mas esse foi especial, parece que a gente tá vendo o tal do Microfone na nossa frente! Parabéns!

Veiga disse...

Valeu pelo comentário!!

Volte sempre.

Abraço.


*Já tem post novoooo...

http://tragicomicuzinho.blogspot.com/

LETÍCIA CASTRO disse...

Linda a história do Microfone, né? Eu amo esse contos de vidas que nos inspiram tanto.
Tô passando pra te desejar um feliz dia dos namorados, Nanda!
Beijos!
Letícia.

Anônimo disse...

lmao! tell Mr. Microphone that Organic Chemistry is hell in almost all lives including mine!

Nandinha, each interview, each new text, shows how the letters are becoming part of your life. Your writing has been improving a lot, and you've been showing a extremely mature side.
I just want to tell you how much i love being here, i really enjoy reading your writings. Last nevertheless not least, that I'm really proud of what you've become!
i love you! (L)

Mickey disse...

ah, vlw pela visita ao meu blog volte sempre

Anônimo disse...

queroo post novo
=(
uauahauahu!
Bjoos!

Jornalismo Independente disse...

Salve simpatia.
Esse cara realmente é demais !!!
BOm, o blog já está entre meus favoritos. Ainda não li como deveria, mas faço isso já.
CHeiro grande.